quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

fim do mundo

Um dia resolvi ir a pé até a fronteira.
Eu estava decidido a ir até o fim do mundo.
Porque para mim, o mundo terminava num ponto, num lugar. E haveria, neste lugar uma placa onde estaria escrito "Fronteira" e do outro lado pra placa nasceria um novo mundo, completamente desconhecido. Resolvi reunir alguns amigos mas eles não quiseram ir comigo. Denilson tinha uma partida de gude. E dos outros não me lembro. Não eram muitos. Sai de casa com uma mochila em que carregava uma garrafa pet com suco de groselha (preparado por mim mesmo com o esmero de um soldado raso), um pedaço de pão francês e um caderno de anotações (no qual não anotei coisa nenhuma). Caminhei em passos largos em direção a rua Dom Aquino. Dali segui em linha reta - como um poste -  sem parar, porque sabia que era o caminho mais rápido para a estrada que ia dar na fronteira. Quando topei com a estrada, já estava um pouco cansado e suavam muito. Mas estrada era sinuosa e me agradava o seu silêncio, o seu lugar de não lugar, seu estranhamento de coisa nenhuma. Pensei que valia a pena perambular debaixo de um sol escaldante como um camelo no deserto. No meio do trajeto tive medo: e o que será que tem lá, no fim do mundo? E como será depois? Mas a visão das colinas perdidas, da vegetação rasteira, naquele caminho sem eira, nem beira, sem começo ou fim, me deixava com sede de ver e sentir o vento roçar meus olhos nas terras do fim. A estrada era sem novidade de gente e carro. De vez e nunca um automóvel zunia e me abandonava serelepe. Não vi pessoas e se as visse julgaria que eram almas, penando. Aquela caminho fora feito para as colinas, os pássaros e os meninos. Era todo meu aquele trecho de chão: meus pés lavavam minha alma. Ao me aproximar de uma curva, avistei um outdoor com palavras que me pareceram secas e desprentensionas: Bienvenido a Bolívia! Estava perto do meu ponto final, do fim de trecho. Mas quando finalmente avistei, ainda no lado brasileiro, o posto de fronteira, percebi que do outro lado, o boliviano, percebi que havia outro posto, quase igual ou idêntico ao primeiro. O mesmo soldado displicente e com olhar melancólico a guarnecer o paredão móvel de transeuntes que cosiam e descosiam suas vidas entre o ir e vir da fronteira.

máquina do tempo

Quando completei onze anos
meus pais me deram uma máquina de escrever
Tec-Tec-Tec
Meus dedos se espreguiçavam nas folhas
E o silêncio surgia no papel branco
Como um ogro lilás
Enterrava-me na Praça da Independência
Defronte ao coreto
O sol escorria nas letras
E eu escutava o passo lento
Do calor me comendo as entranhas
Conversava horas horas horas
Com uma folha, um pássaro ou as badaladas da igreja
Tec-Tec-Tec
A mão serelepe predizia o tempo
Que me ligava a pedra
metamorfose fóssil de estrelas calor e nuvem
Tec-Tec-Tec
E as vezes um pombo cagava em minha cabeça
Tec-Tec-Tec
me mantinha na sinceridade da estátua
tem ouriços nestes versos
que flanam quando a aurora finda
Tec-Tec-Tec
guatós sindicalistas trens de ferros árabes carnavais
maria me pedia um dinheiro pro café
refazia o mundo nas teclas brancas
da máquina
que me desfazia em poeira
consumida quando atravessava a fronteira
Tec-Tec-Tec
o silêncio pedia tributo
e ele me atribulava
Tec-Tec-Tec
a máquina não parava

 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

poem(eu)

Este poema é tão meu
Que me anuncia por cima dos sombras
Do seu sorriso cerceador

Não serei o amor eunuco, sem gosto e de plástico
Serei a vida que pulsa em minhas veias
E inunda o continente de pedras mortas
Que se estende por sobre as colinas
Em frente aos rios de fuligem e cal
Se incomodo, me acomodo
Se magoo, ressoo
Como um sino sem badalo
Num igreja imaginada

Por tudo o que sou, neste poema estou
estava e para sempre estarei
Antes do que sou, sinto o que fui
Intuo o que serei